Cansei

Cansei de olhar pras cicatrizes, perder a razão e culpar as raízes. Cansei de andar torto, perder a conjunção dos fatos e inventar diretrizes.

É certo que o mundo é cruel, que o trabalho te obriga a viver por ele. Mas chega de jantar apressado, de almoçar apressado, de esperar que a vida me espere.

Talvez, bem no fundo, ainda exista esperança pro mundo. Mas cansei de viver nesse looping, que me traz ao começo e me move pro luto. É sempre perda, é sempre lucro. É sempre um louco e ficamos mudos.

É ver a vida passar adiante. A saudade e a felicidade estão sempre distantes.

Dissonantes, como notas ceifadas. Atordoantes, como aspas rasgadas. Eu me vejo em uma jaula invisível e não há dinheiro que pague pra escancara-las.

Mil frases eu solto. Mil textos expurgo. Mil passos em falso. Cem mil peitas no luto.

Quanto mais luta, mais explicação. Quanto mais fome, mais fome, mais nãos.

Eu cansei, de certo cansei. A vontade é de fugir. Pra onde? Não sei.

Corro pras rimas fáceis, táteis, críveis. Fujo das conjecturas complexas, das conclusões profundamente terríveis.

E cá estamos nós, com sorrisos incríveis. Esquecendo que o mundo jaz em dores indiziveis. Cantando as canções mais plausíveis. Tratando as dores dos outros como dores invisíveis.

Beija a canela o mar, e o mar nos afoga. Beija a boca o ar, a palavra apavora. Beija os pés o chão, beija a língua a pólvora. Sem o sim, vem tanto não que escurece a aurora.

Boreal? Não, bora. Não temos tempo a perder. A face alva cora do vermelho que nem faz doer.

A face escura cobra o valor que sempre teve e exigiu ter. Enquanto o chicote corta a carne escura na TV. Sempre foi assim, dói saber que sempre vai ser. Sempre foi assim. No discurso “foi sem querer”.

Estou cansado, chefe. Fecha a conta, joga na sarjeta. O garçom atendeu bem, mas a gente chora pra dar gorjeta.

Chega, para o ônibus que eu quero descer. Chega também, cérebro, dessa mania de pensar e viver.

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